Coração em ruínas
percebo-me encolhido no centro geodésico da abóboda côncava
de um salão lucilante de ilusões,
erguida diante das galerias de opulência óbvia dos átrios atávicos
à escuridão do meu peito
resisto, mas assisto incrédulo com paciência frágil
ao espetáculo mágico do trincar gradativo
das colunas de mármore do que senti, cujas rachaduras evidentes,
ora mesclam-se à inerência da rocha
aceito ao esvanecer suave das escrituras proféticas de sonhos frustados
pintadas à mão nas paredes sólidas
através de processos análogos e cientificamente inexplicáveis
das chuvas ácidas de choros doces de decepção
e de raios solares sórdidos de esperança
deparo-me com os destroços da implosão gerada
com a amargura intrínseca da fúnebre ocasião
e a liberdade destrutiva das possibilidades do vir a ser
escuto aos gritos esquisofrênicos dos pássaros que pairam e perfuram
o farfalhar das árvores como jacaré que emerge d’água
e afirmo à força: fora belo, mas acabou.
caminho descalço pelos destroços
e afundo-me na textura úmida do verde capilar dos musgos,
na relva áspera e barulhenta dos caixos de samabaia
e na trama tátil das teias e dos ninhos
asseguro-me sóbrio que sou floresta pluvial,
onde o clima é úmido e quente,
capaz de reconstruir biomas inteiros
eis que ainda há vida no meu coração,
pois somente o primeiro amor não é construído sobre uma ruína