Coração em ruínas

Gustavo Dutra
2 min readDec 9, 2018

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percebo-me encolhido no centro geodésico da abóboda côncava
de um salão lucilante de ilusões,
erguida diante das galerias de opulência óbvia dos átrios atávicos
à escuridão do meu peito
resisto, mas assisto incrédulo com paciência frágil
ao espetáculo mágico do trincar gradativo
das colunas de mármore do que senti, cujas rachaduras evidentes,
ora mesclam-se à inerência da rocha
aceito ao esvanecer suave das escrituras proféticas de sonhos frustados
pintadas à mão nas paredes sólidas
através de processos análogos e cientificamente inexplicáveis
das chuvas ácidas de choros doces de decepção
e de raios solares sórdidos de esperança

deparo-me com os destroços da implosão gerada
com a amargura intrínseca da fúnebre ocasião
e a liberdade destrutiva das possibilidades do vir a ser

escuto aos gritos esquisofrênicos dos pássaros que pairam e perfuram
o farfalhar das árvores como jacaré que emerge d’água
e afirmo à força: fora belo, mas acabou.

caminho descalço pelos destroços
e afundo-me na textura úmida do verde capilar dos musgos,
na relva áspera e barulhenta dos caixos de samabaia
e na trama tátil das teias e dos ninhos

asseguro-me sóbrio que sou floresta pluvial,
onde o clima é úmido e quente,
capaz de reconstruir biomas inteiros

eis que ainda há vida no meu coração,
pois somente o primeiro amor não é construído sobre uma ruína

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Gustavo Dutra
Gustavo Dutra

Written by Gustavo Dutra

Autor de "Introversos" (2016) e "ao antropoceno brevíssimo aceno ou um pot-pourri pro povo rir" (2020). Curto Poema (newsletter) e "um barco ao mar" (YouTube)

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